Merkel em África<br>e a esposa de Buhari
A Alemanha reforça a ingerência em África e vai construir uma base militar no Níger. A «nova» política africana da velha potência colonial combina «apoio militar» e «ajuda ao desenvolvimento».
Nesse contexto, a chanceler Angela Merkel acaba de fazer um périplo por África e de receber em Berlim dois dirigentes africanos.
No Mali, onde tropas da França e da União Europeia suportam o regime do presidente Ibrahim Boubakar Keita, Merkel foi clara. Explicou em Bamako que é necessário travar o fluxo migratório de africanos para a Europa. «É importante que a África não perca os seus melhores cérebros», disse, com cinismo, justificando a sua «coerência» entre «cooperação» económica e «ajuda» militar.
Merkel defendeu a criação de um exército unificado do Mali e a integração nas forças armadas de jovens oriundos do Norte, numa referência à rebelião das populações tuaregues, que persiste.
Com um total de 650 militares, a Alemanha participa da Missão da ONU no Mali (Minusma), dirigida pelo Chade, e encabeça a missão da União Europeia de formação do exército do Mali (EUTM).
No Níger, segunda etapa de Merkel, a Alemanha anunciou a construção de uma base militar, alegadamente para apoiar a Minusma no combate contra grupos jihadistas.
O embaixador germânico em Niamey, Bernd von Munchow-Pohl, assegurou que se abre «um novo capítulo da cooperação» entre os dois países. Garantiu que a Alemanha está «pronta para se comprometer cada vez mais» no Sahel e esclareceu: «O Níger é para nós um parceiro central» e «um país-chave na luta contra o terrorismo e a migração ilegal» proveniente da África Ocidental.
A França e os Estados Unidos dispõem já de bases militares no Níger e operam com drones a partir de Niamey e Agadez, no Norte, em operações de vigilância aérea, nas zonas fronteiriças com a Líbia e o Mali.
País rico em petróleo e, também, em urânio, explorado pela multinacional francesa Areva, o Níger transformou-se numa «base crucial» para as operações militares das potências ocidentais, tanto na faixa saheliana como no Nordeste da Nigéria. Ali, o seu exército está envolvido na guerra contra o Boko Haram, no quadro de uma Força Multinacional Mista, formada por contingentes da Nigéria, Chade, Camarões, Níger e Benim – e com o apoio da França e dos Estados Unidos.
Segundo a revista Jeune Afrique, numerosas personalidades da sociedade nigerina criticam esta «forte presença militar estrangeira» e acusam as autoridades de «alienar» a soberania do país.
Ao presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, a chanceler alemã, nesta passagem por Niamey, prometeu meios suplementares para estancar a vaga de migrantes para a Europa, confirmando que «a economia é um dos dados da equação».
A Afrika-Verein, a associação que promove as relações económicas Alemanha-África, estima que cerca de 800 empresas alemãs empregam 200 mil trabalhadores no continente africano. Em 2014, o investimento alemão cresceu para 9,7 mil milhões de euros, mais do dobro dos 4,2 mil milhões inventariados em 2002.
Euros e armas
Angela Merkel visitou também a Etiópia e, em Adis Abeba, na sede da União Africana, inaugurou o Centro Julius Nyerere para a Paz e a Segurança, obra que custou 27 milhões de euros, pagos pela Alemanha.
Manteve conversações com um fiel aliado ocidental, o primeiro-ministro Hailé Mariam Desalegn. Dias antes, a Etiópia instaurou o estado de emergência, após grandes manifestações populares anti-governamentais, sobretudo nas zonas habitadas pelos grupos étnicos oromo e amhara, maioritários, que acusam o poder de os marginalizar.
No regresso a Berlim, a chanceler recebeu o presidente do Chade e presidente em exercício da União Africana, Idriss Débny Ito. Conversaram sobre «o fluxo migratório» e «a luta anti-terrorista» e a Alemanha desbloqueou um envelope de 8,9 milhões de euros.
Na semana passada, o presidente Muhammadu Buhari, da Nigéria, uma das maiores economias africanas, esteve em visita oficial à Alemanha. Questões de segurança (Boko Haram e repatriação de «imigrantes clandestinos» na Europa) e as relações económicas bilaterais estiveram no centro da agenda de trabalho.
A visita deste general, antigo golpista, agora convertido à democracia, ficou marcada por comentários machistas que proferiu.
A sua segunda esposa, Aisha, em entrevista recente à BBC, tinha-o acusado de governar mal. Buhari respondeu numa conferência de imprensa, ao lado de Merkel: «Não sei a que partido ela pertence. Na verdade, o seu lugar é na minha cozinha, na minha sala de jantar, no resto das divisões da minha casa».